À
Comissão Especial de Direitos humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo;
Senhores(as) Deputados(as);
Presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo;
Gabinete do governador do Estado de São Paulo Engº Alberto Goldman.
Prezados Deputados e Deputadas,
As organizações do Movimento Negro, Movimentos Sociais do Campo e da Cidade, Cursinhos Comunitários, Sindicatos, Associações e demais grupos organizados que a esta subscreve, apresentam este documento, síntese de nossa indignação e revolta diante da barbárie a qual a população negra de São Paulo é submetida. Não bastassem as mazelas sociais que afligem historicamente esta população por meio do subemprego, do desemprego, da falta de moradia, dos serviços precários de saúde e educação, da falta de oportunidades e do desumano e permanente preconceito e discriminação racial em todo e qualquer ambiente social, percebe-se a vigência de um projeto de extermínio da população negra, por parte do Estado brasileiro.
Herança do trato escravocrata, o Estado e suas policias mantém uma atuação coercitiva, preconceituosa e violenta dirigida a população negra. Desrespeito, agressões, espancamentos, torturas e assassinatos são práticas comuns destas instituições. Comuns nos mais de 350 de escravidão. Comuns na pós-abolição. Comuns nos períodos de ditaduras. Comuns em nossos dias.
Apesar de deter uma Constituição reconhecida internacionalmente pela valorização à cidadania e aos diretos humanos, bem como de ser signatário de diversos tratados, convenções e pactos internacionais de defesa dos direitos humanos e de combate a todos os tipos de preconceito, discriminação e racismo (entre elas a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil 1969; O Pacto internacional sobre direitos civis e políticos, ratificado pelo Brasil em 1992; e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 1992), o Estado Brasileiro, ao contrário de fomentar a prática dos Direitos Humanos, coloca-se como agente violador e promotor da violência e da morte.
Entendemos que, por conta da permanente prática de violações, do descaso e até de estímulo a ações violentas vindas das autoridades do Estado de São Paulo, apresentam-se condições jurídicas para que as vítimas, seus familiares e as organizações representativas dos movimentos sociais inquiram uma vez mais esta casa legislativa, exigindo providências contra a violência que tem destruído centenas de vidas, em sua maioria de jovens negros.
Um País que quer ser protagonista e mesmo árbitro das grandes questões internacionais não pode permitir constantes violações de sua própria Constituição e da legislação internacional. Acima de tudo, um país comprometido com a justiça e com os direitos humanos, não pode patrocinar o etnocídio de uma população, como tem feito.
Do histórico recente
Em Maio de 2006, o estado de São Paulo vivenciou um dos episódios mais emblemáticos da situação de violência contra negros e pobres: policiais e grupos paramilitares de extermínio ligados à PM promoveram um dos mais vergonhosos escândalos da história brasileira. Em “resposta” ao que se chamou na grande imprensa de "ataques do PCC", foram assassinadas, ao menos, 500 pessoas - que hoje constam entre mortas e desaparecidas. A maioria delas, jovens negros, afro-indígenas e pobres – executadas sumariamente sem qualquer possibilidade de defesa.
Conforme relatório da Organização das Nações Unidas para execuções sumárias e extrajudiciais, apresentado à ONU em maio de 2008, os policiais militares e civis brasileiros matam em serviço e fora de serviço. Porém nenhuma investigação é feita em relação ao pretexto para a execução, isto é, o suposto confronto. Os casos são classificados de "Resistência Seguida de Morte" ou "Auto de Resistência", e a investigação se concentra na vida do morto. Sabe-se que os policiais são preparados prática e ideologicamente para matar. Por outro lado, os movimentos negros, movimentos sociais e sindicais que têm se organizado para a defesa dos direitos, vêm sendo violentados e perseguidos em constantes campanhas de criminalização.
O citado relatório da ONU, assinado por Dr. Philip Alston, em Missão ao Brasil, diz textualmente;
“O Brasil tem um dos mais elevados índices de homicídios do mundo, com mais de 48.000 pessoas mortas a cada ano. Os assassinatos cometidos por facções, internos, policiais, esquadrões da morte e assassinos contratados são, regularmente, manchetes no Brasil e no mundo. As execuções extrajudiciais e a justiça dos vigilantes contam com o apoio de uma parte significativa da população que teme as elevadas taxas de criminalidade, e percebe que o sistema da justiça criminal é demasiado lento ao processar os criminosos. Muitos políticos, ávidos por agradar um eleitorado amedrontado, falham ao demonstrar a vontade política necessária para refrear as execuções praticadas pela polícia.
Essa atitude precisa mudar. Os Estados têm a obrigação de proteger os seus cidadãos evitando e punindo a violência criminal. No entanto, essa obrigação acompanha o dever do Estado de garantir o respeito ao direito à vida de todos os cidadãos, incluindo os suspeitos de terem cometido crimes. Não existe qualquer conflito entre o direito de todos os brasileiros à segurança e à liberdade em relação à violência criminal, tampouco o direito de não ser arbitrariamente baleado pela polícia. O assassinato não é uma técnica aceitável nem eficaz de controle do crime.”
No ano de 2008, em São Paulo, foram atribuídos a “resistência seguida de morte” 431 homicídios. Entrevistada pelo Jornal Brasil de Fato, a advogada do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Marcela Fogaça Vieira, disse que:
“tudo é feito de forma a ajudar os policiais assassinos a ficarem impunes. O maior problema está no boletim de ocorrência feito pelos próprios policiais como “resistência seguida de morte” ou “auto de resistência”, justamente pelo fato de que são invertidos os papéis; os policiais figuram como vítimas do crime de resistência, enquanto a pessoa que morreu figura como indiciado e não como vítima de homicídio. Ou seja, o homicídio praticamente desaparece e como o ‘indiciado’ está morto, o inquérito policial é frequentemente arquivado”.
No final do ano de 2009 a Human Rights Watch, ONG internacional de direitos humanos, divulgou relatório dando conta de que a execução extrajudicial de suspeitos se tornou um dos flagelos das polícias no Brasil, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Divulgado no último dia 26 de Maio/10, o Relatório Anual sobre Direitos Humanos da Anistia Internacional, em sua edição 2010, registrou críticas veementes a cerca da violência policial no Brasil. Os dados do relatório são referentes ao ano de 2009.
Entre alguns dos casos citados no relatório ligados à violência policial, a Anistia criticou estratégias específicas, como a “Operação Saturação”, da polícia paulista, que prevê a ocupação de comunidades por longos períodos com justificativa no combate ao narcotráfico - em especial, a ocorrida no Jardim Paraisópolis, bairro da zona Sul de São Paulo, em fevereiro de 2009. Segundo a entidade, houve registro de queixas por membros da comunidade de uso excessivo de força, intimidações, revistas arbitrárias e abusivas, extorsão e roubo por parte dos policiais.
Conflitos armados por terra, violação de direitos de trabalhadores e de povos indígenas, despejos forçados e políticas de limpeza em favelas (especialmente no Estado de São Paulo) também foram citados.
Ainda mais recente, o comunicado da ONU, datado de 1º de Junho de 2010, sacramenta o estado de barbárie vivida pela população brasileira, em especial negros e negras. O professor Philip Alston, Relator Especial da ONU sobre execuções extrajudiciais, registrou:
"O dia-a-dia de muitos brasileiros, especialmente aqueles que vivem em favelas, ainda é vivido na sombra de assassinatos e violência de facções criminosas, milícias, esquadrões da morte e da polícia..”
O Relatório de Seguimento levanta dados sobre o progresso que o Brasil tem feito para reduzir mortes pela polícia desde a sua visita ao país, em 2007.
"Atualmente, a situação não mudou dramaticamente. A polícia continua a cometer execuções extrajudiciais em taxas alarmantes, e eles geralmente não são responsabilizados por isso."
"Autos de Resistência continuam a uma taxa muito grande", disse ele, referindo-se mortes causadas pela polícia que são depois relatadas como tendo ocorrido em auto-defesa. "Houve pelo menos 11 mil mortes registradas como ‘resistência seguida de morte’ em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 2003 e 2009. As evidências mostram claramente que muitas dessas mortes na realidade foram execuções. Mas a polícia imediatamente as rotula de ‘resistência’, e eles quase nunca são seriamente investigados. O Governo ainda não acabou com esta prática abusiva”.
“resistências seguidas de morte” aumentaram em São Paulo desde 2007. Ele pediu ao Brasil para "abolir esta categoria que permite uma licença para atirar para a polícia, e para investigar esses assassinatos como quaisquer outras mortes."
Do Estado Penal e Policial e a “Resistência Seguida de Morte”
Trata-se de um Estado Policial e Penal, extremamente habituado a policiar, julgar, condenar e punir uma ampla parcela de seus cidadãos e cidadãs, sobretudo a maioria mais pobre e negra. Um Estado célere para praticar prisões preventivas e manter presas, sem julgamento, pessoas que na maior parte das vezes cometeram (ou supostamente cometeram) pequenos delitos.
Um Estado que aplica para esses crimes e para os praticantes do pequeno comércio de drogas, denominado de "crime hediondo", penas colossais.
Basta apenas dar uma passada breve pelas estatísticas de detenções verificadas no país - que só perdem em proporção populacional para as dos Estados Unidos da América. Já as estatísticas de tortura policial são campeãs mundiais!
E ainda, depois do julgamento, é esse mesmo Estado Penal que não respeita as garantias previstas em sua própria Lei de Execuções Penais, em grande parte pela omissão e inoperância do Poder Judiciário (muitas vezes agindo assim de maneira deliberada). Além disso, tal Estado tem também o seu lado exterminador.
Do primeiro trimestre de 2009 ao primeiro trimestre de 2010, a taxa de ocorrências policiais no Estado de São Paulo que acabaram em homicídios e foram registradas como "resistência seguida de morte", AUMENTOU 40%, segundo dados oficiais da própria Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.
Do crime de tortura
A tortura é a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, intimidação, punição, para obtenção de uma confissão, informação ou simplesmente por prazer da pessoa que tortura.
Em nosso ordenamento jurídico a tortura é considerada um crime inafiançável e insiscestível de graça ou indulto.
O crime de tortura consiste em crime material e caracteriza-se com a consumação de sofrimento à pessoa torturada, tanto física quanto psicológica.
A Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997 define o crime de tortura e as penas, conforme transcrevemos abaixo:
"Art. 1º Constitui crime de tortura:
I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;
b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa;
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
§ 2º Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos.
§ 3º Se resulta lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos.
§ 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço:
I - se o crime é cometido por agente público;
II - se o crime é cometido contra a criança, gestante, deficiente e adolescente;
III - se o crime é cometido mediante seqüestro.
§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.
§ 6º O crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia.
§ 7º O condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado.
Art. 2º O disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira."
A criminalização da prática da tortura no âmbito internacional foi um importante acontecimento histórico. A Convenção das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, lançada pela ONU em 1984, foi ratificada por cerca de 124 países que se comprometeram a cumprir as determinações desse documento.
O relatório da ONU sobre a tortura no Brasil, lançado em 2007, denuncia que essa prática é "sistemática" e "generalizada", principalmente em suas carceragens e penitenciárias. Além disso, o uso da tortura na atividade policial é prática corrente e diária. As vítimas são, em sua maioria, jovens, afro-descendentes, moradores de áreas pobres, autores ou suspeitos de crimes comuns.
Importante destacar que o Brasil aderiu à Convenção das Nações Unidas contra Tortura, ou seja, é um dos países que ratificou esse documento e que se comprometeu a cumprir as suas determinações. Em 2006, o país também ratificou o Protocolo Facultativo à Convenção, que obriga o Estado a constituir um Comitê Nacional para Prevenção da Tortura.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 determina que ninguém pode ser submetido a tortura, a pena de morte ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, ao qual adere o Brasil.
(tema elaborado a partir do seguinte trabalho: Costanze, Bueno Advogados. (Crime de Tortura). Bueno e Costanze Advogados, Guarulhos, 29.03.2008. Disponível em : <http://buenoecostanze.adv.br>. acesso em : 08 de junho de 2010).
Da conjuntura da Violência
Neste 1º Semestre de 2010 a população de São Paulo assistiu, aterrorizada, a uma onda de crescimento da violência praticada pelas diversas polícias, seja do Estado (Civil e Militar), seja Guardas Municipais de diferentes cidades.
No último período, as manchetes das grandes mídias têm sido ocupadas por informações dando conta do aumento significativo de homicídios. Já em Fevereiro/10, o balanço dos índices de criminalidade divulgados pela SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) apontava que, em 2009, foram registradas 549 mortes provocadas em confrontos com a polícia – o que significou um aumento de 27% em relação ao ano anterior. Para o delegado geral da Polícia Civil, Domingos Paulo Neto, o número maior reflete o “trabalho policial mais intenso em locais violentos”. Enquanto voz oficial do Estado, o delegado surpreendeu a todos ao explicitar o posicionamento autoritário e assassino do Governo:
“Nós fizemos 124 mil prisões no ano inteiro. Nessas prisões, em operações de risco, é natural que ocorra a morte. Se for do marginal que reagiu, é melhor a morte do criminoso do que a do policial, que está arriscando a vida em benefício da sociedade, não é verdade?”
(Domingos Paulo Neto - Delegado Geral da Polícia Civil) fonte R7 notícias.
Diante da repercussão dos índices negativos, o secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, elegeu o combate aos crimes contra o patrimônio como prioridade. E o resultado veio a cavalo. No início de Maio, mais uma vez os noticiários deram destaque ao aumento de homicídios quando da divulgação do aumento de 23% desses casos. O governo do Estado, surpreendido com os índices, tentou diminuir o impacto da crise tratando-o como “oscilação” e como fruto de esforços do governo e de suas polícias em conter a criminalidade.
Dos últimos acontecimentos
Nas últimas semanas, assistimos estarrecidos e revoltados, as notícias veiculadas pela grande mídia, acerca da violência da Polícia Militar do Estado de São Paulo dirigida a dois jovens negros.
Infelizmente, a forte divulgação dos acontecimentos nos surpreendeu mais que os próprios fatos, afinal, espancamentos, torturas e assassinatos não são novidades no tratamento da polícia de São Paulo à juventude e à população negra e pobre.
Eduardo Luís Pinheiro dos Santos, 30 anos e Alexandre Santos, 25 anos, tinham muitas coisas em comum. Além do sobrenome e de serem ambos trabalhadores motobys, eram negros! Talvez por isso a infeliz coincidência também em suas violentas mortes.
Eduardo foi encontrado morto no último dia 10 de Abril, após ser torturado. Alexandre foi espancado até a morte na frente da mãe, na porta de casa. Os dois foram vítimas da Policia Militar do Estado de São Paulo. Elza Pinheiro dos Santos, mãe de Eduardo, em momento de desabafo disse: “Meu filho foi morto por ser negro”. Maria Aparecida, mãe de Alexandre, em desespero relatou: “Eu tentava segurar a mão do policial e pedia pelo amor de Deus para que ele parasse de bater no meu filho”.
Paralelo à repercussão destes casos em toda mídia, a Baixada Santista registrou nas últimas duas semanas mais de 20 homicídios. Mais uma vez, a maioria das vítimas são moradores de periferias, jovens e negros. Os indícios são fortíssimos de que há em curso a ação de grupos de extermínio com a participação de policiais.
Negros são alvos preferenciais
Em julho de 2009 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, UNICEF e o Observatório de Favelas divulgam resultados de sua pesquisa, e os dados são ainda mais estarrecedores: 33,5 mil jovens serão executados no Brasil no curto período de 2006 a 2012. Os estudos apontam que os jovens negros têm risco quase três vezes maior de serem executados em comparação aos brancos.
“Há uma morte negra que não tem causa em doenças; decorre de infortúnio.”
A afirmação acima consta do artigo A Cor da Morte, publicado por Luís Eduardo Batista e colaboradores, na Revista de Saúde Pública, em 2004. Esta matéria apresenta as causas de óbito conforme características de raça, no Estado de São Paulo, entre os anos de 1999 e 2001. Tal pesquisa aponta que negros e brancos morrem vitimizados por causas diferentes. Segundo o estudo, a maior parte dos brancos vai a óbito por tumores ou doenças do aparelho circulatório, respiratório, sistema nervoso, congênitas, entre outras. Ao contrário, a maior parte dos negros morre por motivo não associado a doenças, como causas externas (violência, por exemplo).
O racismo que ganhou nova roupagem nos dias atuais é o principal fator pela condição de miséria do negro e da violência por ele sofrida. Pelo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, o Brasil se encontra em 63º lugar na colocação de países de médio desenvolvimento humano. Os pesquisadores Wânia Sant’Ana e Marcelo Paixão fizeram o mesmo estudo para negros e seus descendentes isoladamente e a colocação é 120º, colocação que denota as péssimas condições de vida do negro brasileiro.
A polícia de São Paulo está exterminando a juventude negra. Os pesquisadores Rodnei Jericó e Suelaine Carneiro do Geledés – Instituto da Mulher Negra realizaram um estudo do qual se extrai:
“Os dados registrados pela série documental “Mapa da Violência: os jovens do Brasil” , revelam que nossas taxas de homicídios são elevadas e tem como principal vítima a população do sexo masculino pertencente a raça negra. Negros é o grupo racial brasileiro mais vulnerável à morte por homicídios. O estudo aponta que no ano de 2004, a taxa de vitimização desse grupo foi de 31,7 em 100 mil negros, enquanto para a população branca foi de 18,3 homicídios em 100 mil brancos. A população negra teve 73,1% de vítimas de homicídio a mais do que a população branca (WAISELFISZ, 2006, p.58).
As iniqüidades raciais refletem-se na mortalidade da população negra e são decorrentes de condições históricas e institucionais que moldaram a situação do negro na sociedade brasileira. Os números revelam o que se deseja silenciar: a morte tem cor e ela é negra. Os jovens negros são as principais vítimas da violência, que vivem um processo de genocídio.
Para Major, Polícia Militar é racista
As evidências dos abusos e da ação criminosa das polícias de São Paulo são tão flagrantes e se dão a tanto tempo que, infelizmente, há a uma tendência a naturalização. Por essa razão, causa surpresa que denúncias surjam da própria corporação.
E foi justamente o que aconteceu quando da veiculação na grande mídia da dissertação de mestrado major da Polícia Militar de São Paulo, Airton Edno Ribeiro, Mestre em Educação das Relações Raciais e chefe da divisão de ensino do Centro de Altos Estudos de Segurança (CAES), que fez o estudo sobre “A Relação da Polícia Militar Paulista com a Comunidade Negra e o Respeito à Dignidade Humana: a Questão da Abordagem Policial”
Ribeiro, com conhecimento de causa, traça um forte relato sobre como a questão é tratada no interior da PM:
“há um silêncio na Polícia Militar paulista sobre os problemas referentes à cor, à negritude e ao racismo, tanto na relação com a população afrodescendente, como dentro da própria Instituição, onde a presença negra sempre foi expressiva entre as praças". – Fonte: O vermelho
Para o policial, características étnicas próprias e perfil socioeconômico e cultural diferenciados, dada a convivência com a pobreza, favorecem o surgimento de criminosos.
"É na realização diária da atividade de polícia ostensiva que se manifesta a individualização dos pensamentos do policial e de seus preceitos humanos, ou seja, estando o policial de serviço na viatura, sozinho ou com um companheiro, ele escolhe diretamente a pessoa a ser abordada ou influencia o outro policial a abordar. E nesse contexto a escolha da pessoa a ser abordada recai sobre o negro em qualquer situação, em sutilezas que tomam conta das condutas dos policiais no exercício do policiamento". Fonte: O vermelho
Em recente palestra proferida em São Paulo, o Major falou também sobre a percepção do policial que faz a revista. De acordo com essa percepção “o destino do negro é ser abordado”; “quem coopera não apanha”, “o policial negro não se sente negro”; “e negros esclarecidos irritam a Polícia”.
Da impunidade: de Robson à Flavio
A impunidade aos atos de violência policial é histórica no Estado de São Paulo.
Em 1978, o trabalhador Robson Silveira da Luz, foi preso e torturado no 44º distrito policial de Guaianazes, sob a responsabilidade do delegado Alberto Abdalla, que foi condenado pelo ato, mas até hoje não passou um único dia na prisão, pelo crime cometido.
Os Policiais Militares que mataram o dentista Flavio Santana, em 2002, foram condenados, presos e logo libertados.
Agora os casos de tortura e morte dos motoboys – Eduardo Pinheiro dos Santos e Alexandre Santos nos apontam ações cada vez mais ousadas, fruto da impunidade que acompanha as ações de violência policial no estado de São Paulo.
Foram vítimas de tortura, com Alexandre sendo enforcado diante da mãe. Os policiais militares agiram com requinte psicopático.
Há de se dar fim à impunidade da violência policial, sob pena de esta violência ganhar dimensões cada vez mais bárbaras.
Das iniciativas da sociedade civil, movimento e demais organizações
Não é de hoje que inúmeros defensores de direitos humanos, movimentos negros, movimentos sociais, sindicatos, parlamentares e familiares de vítimas da violência policial apresentam denúncias com suas respectivas provas, testemunhos e farta documentação relacionada ao tema e expõe suas reivindicações diante do Estado.
A maior indignação é pelo fato de que as arbitrariedades e o extermínio de pobres e negros são praticados em nome do Estado Democrático de Direito e supostamente em defesa da lei e da ordem.
A constatação é que o Estado de São Paulo, neste caso específico responsabilizado pela ação de seus policiais e demais agentes, comete sistematicamente graves violações de direitos humanos e o alvo preferencial dessas ações são as parcelas mais pobres da população brasileira, em especial negros e negras.
Em 19 de Novembro de 2009, véspera do feriado da Consciência Negra, movimentos negros e sociais apresentaram uma REPRESENTAÇÃO, protocolada junto ao Governo do Estado de São Paulo, na Secretaria de Justiça e Cidadania, no Ministério Público, no Gabinete do Procurador Geral de Justiça, na Defensoria Pública e na Assembléia Legislativa, com a Comissão de Direitos Humanos.
Em resumo, a Representação (cópia em anexo) relatou denúncias de violações de direitos humanos por parte da Polícia Militar de São Paulo, práticas discriminatórias, índices de desigualdades étnico-raciais levantados por organismos nacionais e internacionais e, como proposição, o documento apontou um conjunto de ações envolvendo o Poder Público e sociedade civil organizada.
Os únicos andamentos oficiais dados à Representação foram estes:
1) Reunião ocorrida em 10/03, do Núcleo de Combate ao Racismo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo com representantes de entidades do movimento negro, na qual aquela Instituição demonstrou que possui disposição e prerrogativa para agir em defesa dos direitos coletivos e difusos tratados na Representação. A partir de então, a Defensora Pública Dra. Maira Coraci acompanha o desenrolar das atividades ligadas ao caso.
2) Houve trâmite perante a Comissão de Direitos Humanos da ALESP, com procedimento interno número 9080/2010, com parecer proferido pelo Deputado Relator em reunião ordinária do dia 25/03.
Infelizmente, a inércia absoluta e total omissão política por parte dos órgãos responsáveis pela segurança pública, principalmente PM, Secretaria de Segurança Pública e Governo do Estado de São Paulo, deu razão aos argumentos levantados pelos movimentos sociais em 19/11/2009, quando da referida Representação àquela data, demonstrando-se que há um genocídio em curso, e o grupo étnico racial vitimado pela ação violenta por agentes do Estado são jovens negros moradores de periferia.
Com a repercussão nacional e internacional dos assassinatos dos dois jovens trabalhadores motoboys negros, a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo deliberou pela realização desta Audiência Pública sobre violência policial e racial, depois de pedido feito pela FEPPIR (Frente Parlamentar pela Promoção da Igualdade Racial) e da pressão do conjunto dos movimentos negros e sociais.
Em meio à repercussão dos assassinatos dos dois jovens motoboys negros pela PM, Movimentos Negros e Sociais protocolaram no dia 5 de maio desde ano, um requerimento exigindo uma audiência imediata com o Governador interino, Alberto Goldman, além de explicações públicas (protocolo 38391/2010, de 11 de maio de 2010). A resposta foi negativa. Neste mesmo período os 12 policiais militares acusados de assassinar o motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos foram soltos.
Hoje, dia 9 de Junho de 2010, fazemos uso deste espaço oficial da Audiência Publica chamada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, para registrarmos aqui nossas intenções, reivindicações e exigências, enquanto população negra, indígena e pobre.
Intervenção propositiva
Todos e todas temos ampla consciência das limitações de intervenção de um Estado com bases fundantes tão conservadoras e comprometidas com o “status quo” vigente. Bem como é também de nossa ciência o posicionamento e a vontade política ideologicamente comprometida de seus dirigentes.
No entanto, cumprimos nosso papel enquanto cidadãos e cidadãs e enquanto movimentos da sociedade civil organizada, ao ocupar os espaços de diálogo e cobrança existentes neste e Estado Democrático de Direito e, diante de um histórico e de fatos tão contundentes, apresentamos as seguintes reivindicações à Comissão de Direitos Humanos da ALESP:
· Demissão imediata do Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Sr. Antonio Ferreira Pinto;
· Demissão imediata do Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Cel PM Alvaro Batista Camilo;
· Tipificação dos casos de violência policial, que resultem ou não em mortes, como crimes de tortura, conforme a Lei 9455/97;
· Instituição de uma CPI das Polícias de São Paulo, que vise desmantelar milícias, apurar denúncias/crimes e punir responsáveis;
· Fortalecimento das Ouvidorias e Construção de uma Corregedoria única, autônoma, controle e fiscalização por parte da sociedade civil;
· Desmilitarização e unificação das polícias;
· Debate Público sobre o conteúdo teórico e prático de formação para policiais, bem como a instituição de um Grupo de Trabalho por esta casa, para elaboração de legislação sobre forma e o conteúdo do treinamento e formação de policiais;
· Criação de Grupos de Trabalhos Temáticos que provoquem debates públicos e elaborem projetos de lei que atendam as seguintes demandas: Fim do registro de "Resistência seguida de morte" ou "Auto de resistência" para as execuções sumárias; Fim dos fóruns privilegiados para Autoridades e Polícias; Exigência de indenizações para todas as vitimas de violência e/ou seus familiares; Federalização de processos; Fim das ações violentas em despejos e reintegrações de propriedades; Direitos Humanos para população indígena e LGBT; Debate Público e elaboração de políticas de estado de promoção da reparação histórica dirigida à população negra e indígena.
Assinam:
A.C.R.B. Comunidade de Oyá e de Ogun,
Amparar,
APEOESP
APN’s,
Associação Cultural Refavela
Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular;
Babalorixá Flávio de Yansan,
CENARAB,
Círculo Palmarino,
Clube 28 de Setembro,
Coletivo das Mulheres de Axé,
Comissão da Diversidade Sexual nos Cultos Afros,
Comissão do Negro,
Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos;
CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras;
Conselho Nacional de Iyálórisás,Egbomys e Ekedys Negras
Crenja,
CUT - SP
CUT -NACIONAL
Egbomy Eduardo de Oxalá
Ekedji Andréa de Yemanjá,
Fala Negão,
Federação Quilombola
Fesec,
Fórum de Mulheres Negras do Estado de São Paulo
Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente,
Fórum Paulista LGBT,
Identidade - Grupo de Luta Pela Diversidade Sexual
Igual Eu Não,
Instituto do Negro Padre Batista,
Instituto Luiz Gama,
Jornal A Gaxéta,
Mães de Maio,
Marcha Mundial de Mulheres,
MNU – Movimento Negro Unificado;
Movimento de Moradia,
Movimento Social Negro,
Movimento Tortura Nunca Mais,
MST,
MTST,
NAFRO-PM/SP
Negro Sim,
Oriashé,
Pastoral Afro,
Paulo de Oxoguian,
Quilombhoje,
Rede Grumin de Mulheres Indígenas,
Sindicato dos Advogados de SP,
Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região
Sindicato dos Peritos de SP,
SINDSAUDE
SINDSEP- Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias do Município de São Paulo
SINTAP- Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos
SOS Racismo/Alesp,
Soweto,
Tribunal Popular,
UNEafro-Brasil,
UNEGRO,
Zulu Nation Brasil